Em um auditório repleto de olhares atentos e ouvidos sedentos por novas ideias, o Hackacity, evento já consolidado no calendário da inovação urbana brasileira, reuniu sua décima primeira edição com um propósito ambicioso: redefinir o que é, de fato, uma “cidade inteligente”.
O encontro teve como destaque a fala do pesquisador Luciano Cunha, Doutor em Administração e coordenador de planejamento na Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), que ofereceu uma reflexão crítica sobre os rumos e os equívocos mais comuns no debate sobre cidades inteligentes.
“Hoje, quando falamos em cidades inteligentes, imediatamente pensamos em tecnologia: ônibus com cartão digital, aplicativos de atendimento ao cidadão, sistemas de vigilância conectados. Isso tudo é ótimo, mas não é suficiente”, afirmou Luciano. Para ele, a verdadeira revolução urbana não está nos cabos de fibra óptica enterrados no asfalto, mas na forma como a inteligência coletiva da população é utilizada – ou ignorada.
Muito além da tecnologia
A proposta defendida por Luciano parte de um princípio simples, mas negligenciado: ouvir os cidadãos. Ele critica a concepção dominante de que inteligência urbana é sinônimo de conectividade e automação. “Não adianta termos sensores em cada poste se não somos capazes de entender o que a comunidade realmente precisa”, afirmou. Seu conceito preferido de cidade inteligente é aquela que “usa a inteligência dos seus cidadãos”, promovendo participação social, escuta ativa e corresponsabilidade.
Para ilustrar, Cunha cita o caso das academias ao ar livre – uma política pública aparentemente eficiente. Com custo acessível e fácil instalação, elas se espalharam por várias cidades brasileiras. Mas, em muitos casos, foram mal distribuídas. “Já vi academia em bairro comercial, onde ninguém para para se exercitar. Faltou o básico: perguntar à comunidade onde era melhor instalar”, observou.
Os obstáculos da participação
Luciano reconhece que a participação social é um caminho pedregoso. Cita, por exemplo, um estudo do pesquisador Cândido Azeredo, que aponta nove barreiras para a atuação da sociedade civil. Entre elas, estão a comunicação inapropriada dos governos, o subaproveitamento dos espaços públicos para diálogo e a crença generalizada de que os gestores públicos são os únicos aptos a resolver problemas complexos.
“Infelizmente, ainda temos uma política que não é inclusiva. Os partidos competem ferozmente na eleição, mas não mantêm a população incluída na construção de soluções. E a sociedade, sobrecarregada pelas dificuldades do dia a dia, mal consegue se engajar”, comentou Cunha.
Participação: um dever coletivo
Ainda assim, o pesquisador não abre mão do otimismo. Ele acredita que o fortalecimento da participação social é possível — e necessário. Para isso, defende um esforço conjunto: de um lado, governos mais abertos e humildes; de outro, cidadãos mais ativos e conscientes.
“A administração pública precisa entender que a sociedade tem muito a contribuir. E nós, cidadãos, temos que parar de tratar o governo como uma entidade mágica. Não existe super-herói na política”, finalizou.
A virada de chave
O Hackacity termina, mais uma vez, desafiando gestores, empreendedores e cidadãos a repensarem seus papéis. Não basta digitalizar processos, instalar sensores e construir aplicativos. A cidade do futuro — aquela verdadeiramente inteligente — é feita de diálogo, escuta e construção coletiva. Porque tecnologia sem empatia é apenas mais um enfeite urbano. E empatia, neste novo contexto, é a mais humana das tecnologias.
Palestrantes: Sarah Habersack e Brasil Everardo de Aguiar / Mediador: Lucas Rafael